Outro dia, enquanto esperava a enfermeira Daisy me chamar para mais uma sessão de 8 horas de imunoglobulinas na clínica onde faço minhas infusões, a TV da sala espera noticiava casos da SGB.
Confesso que foi uma surpresa, pois nunca pensei que uma doença rara ficasse popular. Falo isso porque sempre que alguém me pergunta o que eu "tenho", digo que é Síndrome de Guillain-Barré, mas ninguém nunca ouviu falar.
Eu escolho primeiro dizer que tenho Guillain-Barré e se a conversa continua, eu falo que, na verdade é Polineuropatia Inflamatória Desmielinizante Crônica. Imagine se eu começasse por esse nome!
Mas por causa do aumento dos casos de SGB por causa do zika eu resgatei um post que foi o primeiro que fiz nesse blog e reproduzi abaixo. Muitos pacientes devem estar passando por situação semelhante.
Muita coisa mudou desde 2006, quando tive SGB, e algumas preocupações que externei no post abaixo, já não são mais, foram apenas incorporadas na minha vida e já trato isso como um coisa normal: andar de bengala às vezes, ou de cadeira de rodas, conviver com uma fraqueza permanente nas pernas e entender que não dá mais para fazer algumas coisas. Essa última é a mais sutil e também a mais importante para se conviver com a doença, mesmo que as pessoas ao redor demorem para entender isso.
Hoje em dia, com um catéter central sob a pele, faço infusões de 40g de imunoglobulinas a cada 14 dias. Não dá para voltar à condição de "aspirante a normal", mas a meta também mudou: o importante é se manter estável e não piorar.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Em 2006 eu fui diagnosticado com a Síndrome de Guillain Barre ou polirradiculoneurite aguda. É uma doença um tanto rara que afeta 1 em 100.000 habitantes. A característica principal é a paralisação (na fase aguda) dos membros superiores e inferiores. No meu caso foram as pernas.
Um belo dia eu acordei com os sintomas de gripe: olhos lacrimejando, garganta irritada, corpo mole, mas com um sintoma a mais, as pernas estavam muito fracas, quase não conseguia levantar da cama, precisava fazer um esforço enorme para dar um passo, parece que tinha uns dois quilos de chumbo em cada pé; para descer a escada de casa então nem se fala, agarrava no corrimão e ia puxando o corpo tanto pra descer quanto para subir. Nunca tinha me sentido assim antes.
Fui ao hospital e o médico me mandou pra casa: é uma gripe forte, disse ele. Fiquei descansando em casa e os sintomas da gripe melhoraram um pouco, ficou a fraqueza nas pernas. Tive que ir atender um cliente no mesmo dia à noite no Alphaville, uma região perto de São Paulo. Foi um custo para me locomover até o local, subir e descer as escadas. Eu sabia que algo estava muito errado. Feito o trabalho, pedi a um amigo que me deixasse no hospital, tinha de investigar o que se passava.
Dei entrada no Hospital Israelita Albert Einstein por volta de 1:30 AM e o neurologista de plantão disse que era Guillain-Barré (somente pelo exame clínico dos reflexos, ou da falta de reflexos). Ainda no pronto-atendimento eu fiz a famosa punção lombar para retirar o liquor da medula espinhal, um exame típico nesses casos. Depois disso fui para o meu quarto, na internação.
Fiquei internado por 5 dias tratando com imunoglobulinas e melhorei muito. Foram 8 horas de infusão direto na veia com apenas imunoglobulinas. Também fui diagnosticado com pneumonia e a secreção pulmonar foi levada para análise para ver se continha micoplasma. A Síndrome de Guillan- Barré, como também é conhecida essa doença, pode ser iniciada após o contato com vírus de gripe ou pneumonia, ou outros vírus.
O diagnóstico foi polirradiculoneurite aguda mesmo. Fiz fisio para o pulmão com ventilação assistida para fortalecer os músculos pois a evolução da doença pode levar à parada respiratória.
Voltei para a casa me sentindo bem, andando normalmente, já sem fraqueza.
Alguns meses depois continuava me sentindo fraco, mas não paralisado como na fase aguda. Com dificuldade para subir escadas e vencer obstáculos, algumas dores no quadríceps (na coxa).
Voltei ao médico, fiz a eletroneuromiografia (o pior exame que existe na face da Terra e se brincar, em todo o universo). Os resultados apontaram mesmo para uma Doença Neurológica Crônica ou Chronic Inflammatory Demyelinating Polyneuropathy, CIDP; a Polineuropatia Inflamatória Desmielinizante Crônica, PDIC. A GBS tinha se tornado crônica.
Fui internado para fazer mais 5 dias de imunoglobulinas e continuei uma vez por mês por 4 meses. Não adiantou. Fui para a hidroterapia e melhorou ou pouco, mas depois de uns 6 meses continuou piorando.
Fiz outra eletroneuromiografia (foi difícil aguentar aqueles choques e agulhas, ma seu já sabia o que esperar). O resultado mostrou uma piora significativa na condição axonal da CIDP. Dava pra sentir mesmo no dia-a-dia que estava mais difícil pra andar.
Tive outros episódios de ter de ficar em casa com o calcanhar inflamado, cada vez mais fraco, sem equilíbrio, não posso fazer esportes (claro, ando com dificuldade, subo escadas com dificuldade), nem caminhadas, correr, as mãos estão sempre dormentes e os músculos da coxa dóem.
Pesquisando na Internet eu vi casos parecidos com o meu, muito parecidos. Mas pessoas que tiveram paralisias piores do que a minha e dores. Também há relatos de pessoas que conseguiram se curar e
têm uma vida normal. 5% dos pacientes sucumbem.
Qual será o meu destino nessa história?
Eu sei que estou cansado dessa doença, cansado de médicos e hospitais e exames e cansado do cansaço. Até quando isso vai durar?
Esqueci de falar das quedas também. Pela falta de reflexos, qualquer topada em algo no chão pode resultar em queda. E quedas geram a inflamação dos ossos.
Estou admitindo agora que estou mesmo doente. Quando alguém tem uma doença, geralmente os outros, reconhecemos que é uma característica daquela pessoa. Quando vemos uma pessoa com diabetes, por exemplo, aquilo fica sempre associado à pessoa. Eu estou vendo que também sou assim, não era apenas um gripe ou doença passageira, é uma condição. Tornou-se uma característica minha. Eu sou um doente!
Caramba. Eu sou um doente! Sou mesmo. Agora faz parte da minha pessoa ser um portador de CIDP.
Já no terceiro ano da doença. Será que posso ter uma carteirinha de doente ou algo parecido pra embarcar como "prioridade" nos vôos? Talvez tenha de comprar uma cadeira de rodas pra levar no carro quando for ao shopping, etc...Pra não forçar ainda mais. Como outro dia no centro de Jundiaí, andando para comprar roupas para a Julia.
Já no terceiro ano da doença. Será que posso ter uma carteirinha de doente ou algo parecido pra embarcar como "prioridade" nos vôos? Talvez tenha de comprar uma cadeira de rodas pra levar no carro quando for ao shopping, etc...Pra não forçar ainda mais. Como outro dia no centro de Jundiaí, andando para comprar roupas para a Julia.
É estranho pensar que se é doente e não que se está doente.
Até eu sair dessa condição é melhor admitir a verdade e me comportar de acordo.
Hoje é dia 29 de dezembro de 2009. Estou escrevendo do meu quarto de hospital no Einstein, na minha 5 internação desde 2006, me tratando agora com solumedrol (prednisolona ou corticóides e imunoglubulinas. Essa terapia é conhecida como IVIG ou intra-venous immunoglobulins). É o terceiro ciclo de cinco dias que faço em três meses para ver se os corticóides derrubam a inflamação. A CIDP é uma doença auto-imune e o solumedrol age no sistema imunológico tentando derrubar as inflamações e os anticorpos que atacam a capa de mielina dos axônios. A CIDP desmielinizante ataca a mielina dos nervos e estes já não transmitem os impulsos elétricos aos músculos com a mesma eficiência. O resultado é que os músculos ficam flácidos, pois já não se exercitam como antes.
O tratamento com corticóides é mais "forte" do que com as imunoglobulinas. Estou tomando 1g de solumedrol, o que é considerada uma dose alta, por 5 dias. 4 horas de solumedrol e depois três frascos de 2 horas de imunoglobulinas cada (flebogama).
Também iniciei um tratamento com gabapentina (neurontim) para diminuir as dores nos pés e parece mesmo que tem melhorado. Vou continuar por um bom tempo diz o Dr. Rodrigo.
Eu ainda não senti melhoras significativas, mas continuo indo...
Depois deste tratamento, o Dr Rodrigo Barbosa Thomaz, meu médico neurologista desde a polirradiculoneurite aguda de 2006, vai me colocar de novo no "day-care" para sessões mensais de pulso-terapia, como eu fazia antigamente, para fazer a manutenção.
Deus seja louvado.
Marcio
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