quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O que não mata engorda


por Daniela Cestarollo

Quando as pessoas me veem na rua caminhando com a bengala sempre perguntam o que houve comigo. Costumo responder que foi uma doença cujo nome é chique, mas cuja essência é ’bagaceira’. Nem todos entendem, mas quem passa ou já passou pela Síndrome de Guillan Barré ou PIDC -Polirradiculopatia Inflamatória Desmielinizante Crônica, sabe a que estou me referindo.

De fato a comparação cai feito uma luva, em vários momentos da fase aguda da Guillan Barré me sentí feito um bagaço de cana, após ter sido triturado e esbagaçado. Há dez anos vivo em Brasília por questões profissionais e pessoais mas minha família reside fora do Brasil. Na época que adoeci tinha acabado de sair de um relacionamento e passava por uma fase estressante no trabalho. Estava fragilizada: emocionalmente e fisicamente. Além de bagaceira, diria que a síndrome é também oportunista.

Segundo alguns médicos a cura da Guillan Barré é, relativamente, recente. Mesmo assim a cura nem sempre funciona. Uma paciente mais jovem do que eu, com 40 anos aproximadamente, estava internada e dividia a enfermaria no hospital Sarah Chamava-se Helena. Helena e eu nunca conversávamos mas trocávamos olhares de cumplicidade, afinal ambas tínhamos sido escolhidas por essa doença tão rara.

Nos horários das visitas, Helena estava sempre cercada pela família e os dois filhos pequenos. Eu, por outro lado, havia proibido as visitas por considerar o local assustador e por não querer que ninguém me visse naquele estado deplorável. Helena conseguia caminhar lentamente. Eu não. Tinha que ser carregada por, pelo menos, dois enfermeiros para sentar na cadeira de rodas. Helena comia sozinha. Eu não. A minha refeição consistia de ‘papinhas’ que mal conseguia engolir por causa da disfagia. Mesmo assim Helena aparentava cansaço e uma certa derrota. Ousaria até dizer que apresentava sintomas de depressão. Enquanto isso eu discutia com as terapeutas, questionava os métodos militares do Sarah, e comia barras de chocolate , que a cuidadora contrabandeava às escondidas para o hospital. Aliás, foi aí que me tornei uma chocólatra de carterinha.

Um belo dia Helena não voltou da visita do fim de semana e soube que tivera uma parada respiratória em casa. Ao contrário do que imaginara não desmoronei. Subitamente senti uma força maior dentro de mim. E disse pra mim mesma: ”Daniela, se chegaste até aqui podes ir muito além’. Claro que essa certeza não é constante. Tenho dúvidas se vou voltar a correr ou caminhar sem mancar. Se voltarei a digitar com todos os dedos das mãos. E até a nadar como costumava antes, porém a dúvida deve fazer parte da vida, com ou sem Guillan Barré. 

Gostaria de dizer a todos que, nesse momento, vivem com essa ’bagaceira’ que só há uma forma de derrotá-la. Não se deixem abater. Sejam guerreiros. A força maior está na nossa vontade de viver e sobreviver, apesar de. Sem contar que como diz o ditado: o que não mata, engorda! Isso talvez explique porque estou dois quilos acima do meu peso normal...

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Uma colaboradora.... uma nova história

Olá leitores do CIDP Brasil, meu nome é Camila e a convite do autor desse blog, o Márcio, serei uma colaboradora do blog a partir de hoje.

Venho contribuir para o blog pois sou fisioterapeuta e portadora de CIDP.

Vou contar um pouco de como essa doença apareceu na minha vida e o que tenho feito para amenizar meus sintomas.

Sou fisioterapeuta de um grande hospital aqui na cidade de São Paulo e como atuo com pediatria tenho que ter todas as minhas vacinas em dia.

Na minha consulta de rotina com a medicina do trabalho do local onde trabalhava foi verificado que havia uma vacina vencida e eu teria que tomar as doses de reforço.

Tomei o 2º reforço no dia 24/03/2011 e naquele mesmo dia comecei a ter uma sensação de formigamento no rosto (lado esquerdo).

Isso mesmo, tive sintomas completamente atípicos, e eles iniciaram no rosto e apenas em um lado do corpo.

No dia seguinte procurei um PS e o plantonista me orientou procurar um neurologista.

Consegui uma consulta com um neurologista da Beneficiência Portuguesa de São Paulo apenas 5 dias depois do início dos sintomas. Na primeira consulta o Dr.me informou que eu teria grandes chances de ser portadora de Esclerose Múltipla.

A partir daquele dia começou uma longa peregrinação  de exames. Porém após uma semana do início do formigamento apareceram sintomas bem claros: Perda de força muscular no lado esquerdo do corpo, desvio de rima labial e um cansaço que me debilitava totalmente.

No dia 31/03/2013 tive minha primeira internação, para receber uma pulsoterapia com solumedrol e realizar novos exames.

Fiz ressonâncias magnética de toda a coluna, coleta de líquor e em nenhum dos exames apareceram alterações.

Nesse momento optei por iniciar fisioterapia como uma tentativa de começar a recuperar os sintomas que estavam aparecendo.

Depois de muitos exames negativos, resolvi procurar um professor do Hospital das Clínicas de São Paulo, doutor em Esclerose Múltipla.

Na minha primeira consulta ele disse que de nenhuma maneira eu poderia ser portadora de EM e que eu estava com uma doença auto-imune que ainda não era possível diagnosticar, mas naquele momento eu deveria me afastar das minhas atividades profissionais já que eu trabalhava em um ambiente com alto índice de microoganismos vivos.

Muitos exames foram feitos.... contando por baixo, fiz uns 500 exames (na maioria particular pois nenhum dos meus 2 planos de saúde davam cobertura para eles).

Foram 6 meses de pesquisa, piora e nada de diagnóstico.

Foi ai que no mês de agosto/2011 o Dr pediu para eu realizar uma eletroneuromiografia de corpo inteiro.

Realizei o exame com um dos melhores neurofisiologistas do Brasil, Dr. Mario Brotto, e ao término do exame ele disse que já sabia o que eu tinha.

No 1º momento chamamos de "Polineuropatia Axonal Motora" e com esse exame descobri que eu tinha a patologia no corpo inteiro, incluindo o rosto.

Recebi a minha 1ª IVIG no mesmo mês de agosto, iniciando com 5 sessões seguidas.

Nesse exato momento o blog CIDP Brasil entrou na minha vida. Fuçando na internet vi que não havia material o suficiente para a pesquisa de polineuropatias motoras, apenas encontrei esse blog escrito com muito carinho pelo Marcio.

Resolvi escrever um email para o Marcio na mesma semana para conversarmos um pouco e ver se ele me ajuda com algumas dúvidas que eu tinha.

Foi ai que nossa amizade iniciou. Trocávamos emails sempre e eu fui encontrando uma pessoa que estava passando pela mesma situação que eu.

Após a minha 3ª IVIG eu não havia apresentado nenhuma melhora, apenas tido muito mais sintomas.

Já andava com muita dificuldade, tinha dores horríveis pelo corpo, uma paralisia facial bem evidente, um processo de disfagia (dificuldade em deglutir) em constante evolução e uma promessa que até a 3ª IVIG eu estaria bem melhor.

Perguntei para o Márcio quem era o neurologista que acompanhava ele e foi aí que conheci o super Dr. Rodrigo Thomaz do Hospital Albert Einstein.

Na minha primeira consulta o Dr já optou por fazer mais 5 sessões de IVIG porém associada com a pulsoterapia com solumedrol. Ele me explicou que naquele momento eu estava com a doença bem crônica e que provavelmente isso ocorrera porque recebi pulsoterapia com solumedrol logo nos primeiros dias da doença.

Fiz a pulso + IVIG por 5 dias. Saí do hospital sem conseguir andar direito, sendo amparada pelo meu pai e namorado. Mas não desisti... continuei as IVIGs e pulsoterapia por mais 6 meses.

Após esses 6 meses eu apresentava um cansaço fora do comum, não conseguia andar nem 2 minutos sem ter que parar porque não conseguia respirar.

Fiz um ecocardiograma que mostrou que eu estava com uma fração de ejeção (uma medida de quanto o sangue de teu coração empurra para fora quando ele bate) bem baixa e que provavelmente isso vinha pelo uso de doses muito altas de corticóide.

Optamos por parar a pulsoterapia e manter apenas as IVIGs mais constantes, a cada 15 dias.

Em 4 meses eu já estava bem melhor do cansaço e com um pouco mais de disposição para andar.

Mantive as IVIGs por 1 ano e 9 meses até que o Dr.Rodrigo resolveu dar um tempinho nas minhas infusões para repetir os exames.

Refiz os exames em agosto desse ano e para nossa surpresa tanto na minha eletroneuromiografia, quanto na minha pesquisa de líquor a doença estava estabilizada.

Hoje tenho que manter o controle, passar em consultas por rotina e ficar de muita observação em qualquer sintoma diferente dos que apresento por conta das minhas sequelas.

Não posso receber mais nenhuma vacina, principlamente as de vírus vivo, pois elas podem ser o gatilho para uma recaída.

Mantenho o tratamento fisioterapeutico 5x por semana, incluindo sessões de pilates e caminhadas na esteira.

Fico muito feliz de poder caminhar 5 km na esteira sem fadigar e tendo apenas leves dores nas pernas após o treino.

Hoje lido muito mais com as sequelas nervosas que tive do que com uma doença que me assombrava diariamente, com sintomas estranho e inesperados.

Ando na rua com um pouco de dificuldade, pois meu equilíbrio ainda é bem deficiente. Quando caminho muito minha perna esquerda resolve não colaborar, então começo a "mancar".

Meu rosto ainda é um pouco assimétrico e meu olho esquerdo é bem fraquinho quando vou fechar, mas após tanta fisioterapia, se eu não contar para ninguém isso se torna imperceptível.

Não tenho muita força nas mãos o que associado a falta de vacina me impossibilita muito de voltar ao meu trabalho, mas continuo lutando para um dia poder voltar.

Bom, eu sei que minha história ficou um pouco longa e é bem diferente das histórias dos pacientes que sofreram a SGB ou a forma clássica da CIDP. Espero que eu possa ajudar vocês que leem esse blog tanto com a minha experiência de fisioterapeuta como com a de paciente.