Eu li uma mensagem que ilustra bem as dificuldades pelas quais passam os pacientes de Guillain-Barré, ou Polirradiculoneurite Aguda, ou CIDP, ou mesmo Esclerose Múltipla. As outras pessoas, os amigos e principalmente os familiares, têm dificuldades em entender as limitações que esses pacientes têm para realizar as tarefas mais comuns. Se o paciente está paralisado, ou numa cadeira de rodas, é até mais fácil, é até óbvio. Mas se o paciente "parece" se comportar normalmente, andar, dirigir, abaixar e levantar, as pessoas não veem o que está por trás dessas atividades.
Uma paciente de Lupus chamada Linda tem uma amiga que simplesmente não compreende o que é ter Lupus. Um dia, ela resolve levar a amiga para jantar...e conversar. Durante o jantar, a amiga vê Linda tomar sua medicação e pergunta, do nada, o que é ter Lupus e estar doente. Linda ficou surpresa com a pergunta, já que sua amiga a conhecia há muitos anos, foi com ela ao médico, a viu andando com uma bengala e chorando de dor às vezes: que pergunta era essa agora??? Ela não queria saber sobre os comprimidos ou a dor, ela queria saber como era "estar doente".
Olhando para a mesa Linda viu várias colheres e resolveu criar uma analogia. Linda pegou todas as colheres que achou; até das mesas ao redor. Pegou todas elas e disse para a amiga: "Aqui está. Você tem Lupus." Deu a amiga todas as colheres. A amiga não entendeu, mas sorriu, gostava de jogos. Linda explicou à amiga a diferença entre ser saudável e ser doente, as escolhas que uma pessoa doente tem de fazer. As pessoas saudáveis podem viver sem as escolhas de que Linda falava, sem pensar, e muitas vezes nem se dão conta disso até que a idade avançada chegue e elas comecem a entender o que são essas escolhas.
Linda pediu para a amiga contar as colheres. A amiga perguntou por que. Linda disse que quando se é saudável é como se ter um suprimento ilimitado de colheres, mas quando se é doente, quando você tem de planejar o seu dia, tem de saber exatamente quantas colheres possui antes de fazer as escolhas.
A amiga contou 12 colheres. Mas, logo disse que queria mais. Mais colheres. Linda disse não. A amiga fez uma cara de desapontada e Linda soube nessa hora que a analogia iria funcionar. Por anos Linda quis ter "mais colheres" mas a quantidade de colheres nunca aumenta, pelo contrário, é provável que diminua.
Linda pediu para a amiga listar todas as atividades que ela teria de realizar no dia, desde as mais simples. Linda explicou que cada atividade custaria à amiga uma colher. A amiga se preparava para "iniciar o dia" quando Linda lhe tirou a primeira colher: "Você não pode apenas levantar da cama, tem de primeiro abrir os seus olhos e ver que está atrasada, que não dormiu bem na noite passada e que antes de sair para o trabalho precisa se vestir, preparar algo para comer ou então não vai poder tomar seu remédio e isso significa entregar todas as suas colheres desse dia e do próximo também!". Lá se foi a primeira colher e amiga não tinha nem se vestido ainda, só para levantar da cama. Tomar banho custou mais uma colher. Na verdade, depilar as pernas, levantar os braços ao alto e abaixar para pegar coisas custaria mais uma colher, mas Linda decidiu dar um tempo à amiga e não cobrar essa. Vestir a roupa custou mais uma colher, mas Linda explicou que não era apenas colocar as roupas no corpo. Se as mãos estão doendo naquele dia, blusas com botões estão fora de cogitação. Se naquele dia Linda tivesse manchas no corpo, teria de usar mangas compridas e por aí vai. E, para se preparar para sair podia levar quase 2 horas, na velocidade em que fazia as coisas.
Linda percebeu que a amiga estava começando a entender ao ver que nem saíra para o trabalho e tinha apenas 6 colheres para passar o resto do dia. As atividades continuaram a exigir mais colheres: dirigir para o trabalho, carregar a mochila, digitar textos no computador, ir ao banheiro, sair para comer ou comer no trabalho mesmo, reuniões, voltar para casa. A amiga começava a entender o drama de Linda.
No fim do dia, quando chegou em casa, tinha apenas uma colher sobrando e Linda a poupara de muitos detalhes do dia que certamente lhe teriam custado aquela última colher.
E agora? Ainda tem de comer algo antes de ir dormir, eram ainda 7 da noite. O que faria daquela colher? Se usar pra preparar a comida não teria outra colher para lavar os pratos. Se fosse buscar comida não teria uma colher para dirigir de volta para casa. E para ir para a cama? E os preparativos? Poderia esquecer tudo isso e usar a última colher para fazer algo divertido? E como seria a noite?
A amiga começou a chorar.
"Linda, como você consegue? Como você faz isso todos os dias?"
Linda não queria ver a amiga triste e tirou mais uma colher do bolso: "eu aprendi a viver assim todos os dias e a ter uma colher de reserva em meu bolso. Alguns dias são piores do que outros, alguns nem tanto. A coisa mais difícil que eu tive de aprender é justamente que eu não posso fazer tudo. Eu aprendi isso, mas muitas pessoas, mesmo depois de anos de convivência, ainda não aprenderam. Eu odeio ser deixada de lado ou ter de escolher ficar em casa ou não conseguir fazer as coisas do jeito que eu quero." Linda queria que sua amiga sentisse o que era essa frustração. Todas as pessoas simplesmente fazem as coisas, mas para ela é uma sequência de centenas de tarefas menores em uma só.
Você sabe quantas colheres as pessoas gastam todos os dias?
Eu mesmo sempre me pego pensando nessas coisas. O quanto as minhas pernas doem, principalmente o pé direito após ficar de pé dando um curso, ou apresentação de 30 minutos, caminhar para o hotel, dirigir por horas no trânsito, ir e vir, fora a frustração mental de não conseguir fazer o que quero fazer.
É isso o que significa estar com CIDP ou qualquer doença que não se apresenta ao mundo exterior de uma maneira óbvia. As pessoas que me veem caminhando não sabem que, dependendo do dia, se esbarrarem em mim eu posso cair. É assim com muita gente. Dormir com os pés pra cima para aliviar a dor. E olha que eu nem tenho tantas dores quanto outros pacientes de CIDP, GBS, Miopatia Inflamatória, que relatam dores muito piores. As minhas não são tão fortes, mas são suficientes, muitas vezes para impedir de chutar umas bolas no campinho, correr nem pensar, jogar um pouco de ping-pong (às vezes ainda dá), caminhar às vezes também dá. Mas, do nada, pode vir aquela dor no calcanhar que vai ficar a semana inteira.
Sim, nós devemos ter pensamento positivo e não nos entregarmos à auto-piedade e à depressão, pois isso certamente vai piorar o quadro.
Ao mesmo tempo, esses são os sintomas e as dificuldades que os pacientes enfrentam com essas doenças. Terem de escolher se andam, se ficam de pé, se se sentam, se dorme cedo ou tarde, se caminham até o mercado do outro lado da rua, se chutam 3 bolas ao gol, ou se ficam em casa quando a familía que ir andar no shopping. Cadeira de rodas? É uma opção, sim. Mas não é fácil ficar explicando os porquês sempre que as situações simples se apresentam. Pacientes de CIDP, etc, precisam descansar mais, os corpos são diferentes, existem nervos pulsando nas pernas e nos braços constantemente.
Agora que já conhecem a "teoria das colheres", podemos usá-la, assim como Linda, para explicar aos nossos entes queridos.
Se quiserem ler o original...http://www.gbs-cidp.org/topic/have-you-forgotten-i-have-cidp/
Melhoras!!
Marcio Pocciotti